quinta-feira, outubro 20, 2005

todos estão acabados. contei os dias e extraí deles um número, o número que anunciaria o fim do tempo, não só o tempo enquanto o conhecemos, mas também o tempo das colheitas e das tardes perdidas em frente aos televisores. o número é indecifrável e indivizível, senão por si mesmo e pelo seu quadrado.
toda a gente morreu e os corpos caem ao longo da estrada, nos campos só os espantalhos se erguem ainda, permanências estranhas dos homens e das mulheres que vão desaparecendo lentamente. os corpos depois de mortos apodrecem, como é normal que aconteça.
tenho nas mãos um fio de nylon bastante comprido. sai-me dos dedos. entro nas cidades e faço o fio passar por dentro dos ossos e dos crâneos caídos pelo chão e arrasto um rebanho estranho de sombras e de misérias. cada animal que puxo tem em si o local onde os fogos começam e onde as mãos dos amantes se entrelaçam num revolver de sexos. cada olho vazio como um buraco sem fundo das caveiras vagas que batem nas pedras sabe a mar e a estrelas e seguimos o nosso caminho, eu, um pastor de sombras e de misérias e o meu rebanho de animais estranhos, úmeros e omoplatas e crâneos e rádios e fémures e falanges e afins
esqueletos que me saem dos dedos presos a mim por um fio de nylon, como papagaios térreos que perderam a capacaidade do céu, ou então
é a hipótese mais plausível
simplesmente não há vento, para que voem. percorremos
os campos e as serras e as estradas e gritamos imenso, gritamos ao deus os nomes de tudo o que encontrámos pelo caminho e o deus aponta-me o dedo e garante-me que hei-de provar as urzes das bermas e os cardos das giestas, e cada animal de sombra se assusta com a voz do deus, fechando assim os lábios, como se fossem páginas de um livro, de uma
bíblia.

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