quinta-feira, novembro 03, 2005


Ele tinha, e isto é notável, uma maneira única de andar.
Cada milímetro de superfície da sola dos seus sapatos era totalmente aproveitado, calcado com força e firmeza contra o chão, lento e poderoso, cada passo seu, sem hesitar, sem tremer ou ceder, pudesse ser captado por câmeras, mini-câmeras a filmarem pormenorizadamente tudo o que se passava debaixo daquelas solas - Apocalipse. Com a sua dose de charme, obviamente. Hugo Boss, arriscaria eu.
Aparte disto, tinha um nariz demasiado agudo e era técnico de informática em Mem Martins.
Não sendo tão apelativo, Mem Martins tens espaços agradáveis. O seu nariz também.
Não deixa de ser digno de nota.
Ele andava com os pés nos chão, no sentido mais literal da expressão. Ele era os seus pés no chão, esses pés que, sem o próprio saber, provocavam desvios ligeiros nas placas tectónicas ao caminharem, pés esses que mantinham os seus 54 Kg longe do chão em dias de vento mais forte, Nor-Noroeste com tendência a virar para Norte ao fim da tarde, pés esses que seriam anos mais tarde o símbolo de um movimento anarquista da zona do Cacém

esmagando, calcando, ninguém nos pára!

gritariam ao tentarem tomar a Assembleia da República, pés esses que abrigavam, para o desconhecimento do mesmo, uma nova espécie de fungo que permitiria alcançar várias curas se examinado e trabalhado geneticamente em laboratórios ultra-equipados em Budapeste e Detroid, pés esses que o faziam caminhar de forma única, pés esses cujas unhas continham proteínas alteradas capazes de o alimentar durante meses a fio, pés esses que permitiam que ele se movesse e que estavam 80% do dia quietos, debaixo de uma secretária inundada de post-it's amarelos e fios e cabos e um computador e um telefone e uma agenda e uma caneta e uma caneca que o declarava

o maior

pés esses que, de noite, arrefeciam e se encolhiam.
Ele estava contente, obviamente, sem saber que o estava, por não saber de nada. Mem Martins tem muito trânsito e ser técnico de computadores dá ralações suficientes. Estava contente sem o saber, por poder sorrir descontraído e ver a K7 Pirata e documentários sobre ostras.
Estava contente. É só isso.

Os heróis estão todos mortos. O resto do mundo também.

2 comentários:

hfm disse...

Gostei deste relato cheio de ironia.

Anónimo disse...

adorei demasiado.