quarta-feira, novembro 30, 2005

Leave it blank... just... leave it...

titi

não gosto da sua casa verde no meio dos prédios. não gosto do cheiro a coisas velhas na casa verde por entre os prédios. não gosto dos periquitos empoleirados nas gaiolas e do barulho dos carros em fundo, com o chilrear dos periquitos como que caganitas musicais de uma coisa mecânica. titi

não gosto dos armários de pinho e dos jogos de tabuleiro em cima dos armários de pinho e das pessoas que vão a sua casa e não gostam de jogar jogos de tabuleiro e no entanto jogam, algumas casas verdes e nem tantas casas vermelhas do monopólio perdidas, comidas talvez por algum gato no tempo em que ainda tinha gatos gordos geralmente amarelos para fazer pendant (ou seja lá o que for) com os cortinados verdes e pretos e pesados de veludo, onde as crianças se escondiam dos jogos de tabuleiro

jogos de sociedade

e dos seus seios enormes e feios a roçar pelas alcatifas e pelos rostos

titi

eu não gosto dos seus seios cheiram a mijo e a mofo, cheiram a coisas fechadas demasiado tempo dentro de caixas de madeiras reles, não gosto, são feios e não gosto que os imponha assim nas caras das pessoas demasiado sérias a jogar monopólio e jogo da glória, sem notarem que falta um dado ou um peão ou uma nota falsa

às vezes penso se os seios falsos ou não como as notas falsas do monopólio e os peões falsos seguros por mãos demasiado sérias e chapéus demasiado sérios e a titi demasiado alegre a distribuir seios enormes e feios e bolinhos de manteiga e chá e seios embebidos em chá ocasionalmente e mamilos e rodelinhas de bem-estar entrecortadas de olhinhos sorridentes e piscadelas de olhos a figuras de gatos desaparecidos nos cantos antigos por entre os verdes e os pretos de veludo em todo o lado, com o cheiro a velho de alguma coisa que ficou fechada dentro de caixas durante demasiado tempo.

titi

vá para o caralho mais a merda de tardes a jogar jogos de tabuleiro que eu odiava

jogos de tabuleiro não, filho, jogos de sociedade

jogos de sociedade demasiado entediantes com periquitos em fundo e gatos gordos que iam morrendo e seios impostos nas caras e nos tabuleiros dos jogos de sociedade, sempre demasiados amigos sérios a jogar jogos de tabuleiro e de sociedade.

sábado, novembro 26, 2005

Procedimento

Rasgo a cavilha

e engulo o próprio
coração adornado
de fogo.


Tiago Tejo

sábado, novembro 19, 2005

A Caixa.2

quinta-feira, novembro 10, 2005


um grito
como uma lâmina à garganta

terça-feira, novembro 08, 2005

mais perto dos dedos, o sonambulismo
a fera térrea no limite da doença
os pés pequeninos das crianças
e o lixo - o mesmo universo descalço -
as amoras na boca do morto sorriem
os teus segredos mais facéis.

não vais receber esta carta
porque a engoli
e agora tenho o coração a bater
nas paredes da garganta.

sábado, novembro 05, 2005

Como um fósforo

maquio sobre o rosto escurecido e ignoro a pele que o desenha
esqueço e refaço a massa ensanguentada
amo a pele alquimicamente nova e polida como couro novo

é uma sensação de penas a que me adormece no colo

quinta-feira, novembro 03, 2005


Ele tinha, e isto é notável, uma maneira única de andar.
Cada milímetro de superfície da sola dos seus sapatos era totalmente aproveitado, calcado com força e firmeza contra o chão, lento e poderoso, cada passo seu, sem hesitar, sem tremer ou ceder, pudesse ser captado por câmeras, mini-câmeras a filmarem pormenorizadamente tudo o que se passava debaixo daquelas solas - Apocalipse. Com a sua dose de charme, obviamente. Hugo Boss, arriscaria eu.
Aparte disto, tinha um nariz demasiado agudo e era técnico de informática em Mem Martins.
Não sendo tão apelativo, Mem Martins tens espaços agradáveis. O seu nariz também.
Não deixa de ser digno de nota.
Ele andava com os pés nos chão, no sentido mais literal da expressão. Ele era os seus pés no chão, esses pés que, sem o próprio saber, provocavam desvios ligeiros nas placas tectónicas ao caminharem, pés esses que mantinham os seus 54 Kg longe do chão em dias de vento mais forte, Nor-Noroeste com tendência a virar para Norte ao fim da tarde, pés esses que seriam anos mais tarde o símbolo de um movimento anarquista da zona do Cacém

esmagando, calcando, ninguém nos pára!

gritariam ao tentarem tomar a Assembleia da República, pés esses que abrigavam, para o desconhecimento do mesmo, uma nova espécie de fungo que permitiria alcançar várias curas se examinado e trabalhado geneticamente em laboratórios ultra-equipados em Budapeste e Detroid, pés esses que o faziam caminhar de forma única, pés esses cujas unhas continham proteínas alteradas capazes de o alimentar durante meses a fio, pés esses que permitiam que ele se movesse e que estavam 80% do dia quietos, debaixo de uma secretária inundada de post-it's amarelos e fios e cabos e um computador e um telefone e uma agenda e uma caneta e uma caneca que o declarava

o maior

pés esses que, de noite, arrefeciam e se encolhiam.
Ele estava contente, obviamente, sem saber que o estava, por não saber de nada. Mem Martins tem muito trânsito e ser técnico de computadores dá ralações suficientes. Estava contente sem o saber, por poder sorrir descontraído e ver a K7 Pirata e documentários sobre ostras.
Estava contente. É só isso.

Os heróis estão todos mortos. O resto do mundo também.

quarta-feira, novembro 02, 2005

toy box

um sono de incêndios a contemplar o corpo
que sibila, inocente, na paz do cianeto.
intrínseco. o cigarro acabado de enrolar
à superfície dos lábios agrafados.
linhas cruzadas de uma dor que anoiteceu
perfeita.